16 de outubro de 2009

Tudo por um par de ingressos (por Victor Lambertucci)

Tudo por um par de ingressos

Victor Lambertucci


Diz-se que dois anos são suficientes para que um adolescente inconseqüente de dezesseis anos torne-se um adulto maduro e responsável de dezoito. Fomos até o local do show para comprar nossos ingressos. Muito entusiasmo e ansiedade. Cantarolando ou dando uma de super heróis no meio da rua. Corremos, atravessamos fora da faixa. Adrenalina. Vimos o emblema do estabelecimento, a foto de nosso ídolo. – É ali, vamos, vamos. – Duas entradas, por favor. – Camarote ou pista? – Como é a visibilidade? – Vocês podem ver lá dentro. O camarote é o andar superior. Tudo escuro. Bem diferente do grande dia, em que luzes e ornamentos estão todos prontinhos para receber o público. Subimos as escadas, um breu danado. Lembramos de um amigo que quase deu com a cara no chão descendo as escadas a pouca luz. Rimos e quase fizemos o mesmo. Muitas mesas. Será que vamos poder usá-las? Descemos. Estamos bem pertinho do palco, onde vamos agarrar o pé da cantora e nada de soltar. Retomando a compra dos ingressos, saímos aflitos, hora de acabar logo com isso, ingressos garantidos. Garantidos que nada: - Vocês são menores. Mas, no site a classificação era de dezesseis anos. Sim, mas já havia sido modificado. Um show de MPB, classificação dezoito anos. Deve ser por causa do “streap tease” que a cantora vai fazer no fim. Bobagem. Estamos contrariados. Quanto ódio. E agora, como fazemos pra participar? – Vocês vão precisar de uma autorização registrada em cartório, diz a vendedora sem muitas esperanças que compareçamos novamente. Tudo bem, fazer o que. Talvez, pegar a vendedora pelo pescoço... Não, ela só está cumprindo sua função. Que sede! Paramos para tomar alguma coisa. Já voltávamos para casa, desiludidos. – Meu pai vem nos buscar, vamos esperar. A lanchonete vira o sofá de casa. Mas, puxam nossas cadeiras, hora de fechar a loja, se não vão consumir mais nada podem se retirar. Foi o que deixou de dizer o dono dos salgados e dos refrigerantes. E da cadeira que a gente ocupava. Vamos procurar outro lugar para sentar, fomos despejados. Que exagero. Talvez na praça. Não. Está à noite já. Melhor não arriscar. Atravessamos fora da faixa. Vamos andando comentando. O show, o ingresso, o salgado, a cadeira, a derradeira decepção. A carona chegou, vamos para casa. – E aí, compraram as entradas. Não. Tchau até amanhã. Meu companheiro de ingresso fica em casa. Tem aula amanhã. Fim de semana à vista, sexta-feira. Estamos decididos a ir ao bendito cartório. Terça não temos compromissos com a escola. Feriado prolongado. Ainda bem. Dia de ir ao cartório. Minha mãe e o pai do meu companheiro de ingressos (lembram dele?) vão nos acompanhar. Vamos sair. Não tem tinta na impressora. Troca de roupa. Salva no dispositivo de armazenamento portátil, ou pendrive, como preferir. – Meu pai já está no cartório. Nem saímos de casa. Vamos à gráfica imprimir a autorização. Minha mãe vai descendo pro ponto. Preguiça de andar até a gráfica, porque segurar o ônibus é que ela não vai. Tudo bem, encontramo-nos (muito formal, mas...) daqui a pouco, coloca isso na sua bolsa, por favor. Três quarteirões depois chegamos em nosso primeiro destino. Dez centavos cada cópia. Está vazio. Vamos... Só um momento. Cabeça de vento. Lembram do “isso” que foi colocado na bolsa por favor? Era o dispositivo de armazenamento portátil. Não caiu a fixa ainda? As autorizações estavam salvas lá. Três quarteirões de volta, subindo, mais quase dois descendo. – Oi, mãe. Notícia boa. Tem uma coisa que ficou na sua bolsa, o pendrive. No centro deve ter um lugar para imprimir. O forno azul ambulante chega. Muito calor. Foi rápido. Descemos. Andamos. Secretaria da Fazenda. Francisco Sales. Loja de Xerox. Não fazem impressão. Estamos do lado do cartório. Recebemos a informação de que há uma loja que satisfaz nossa necessidade, a de imprimir as autorizações. Impressão via USB. Tudo num envelope. Fila. Muita gente. – Aqui é sempre cheio, disse um senhor que nos espreitava. – Só autenticação. – Eu!. – Isso é “reconhecimento de firma”. Voltamos para fila. Pequena Confusão. Nossa vez. Tudo muito rápido. Só um detalhe o pai do outro teve um compromisso, mas já retornava para o cartório. – Tudo bem, quando ele chegar é só me chamar que a gente faz o seu. Espera. Espera. Ele está chegando. Espera. Ele chegou. Cumprimentos. Uma mulher de azul. Não, era roxo. Era um azul quase roxo, chegamos a um consenso. Era a “presidenta” do cartório, ouvi alguém falando. “Presidenta” do cartório. Fiquei imaginando. Atrás do balcão, aqueles que têm o poder nas mãos. Uma assinatura que “autentica”, “reconhece”, invalida documentos, queria trabalhar no cartório, só pra dizer uma vez: pedido negado, ou, só pra carimbar, colocar minha assinatura e validar um mero papel que se torna documento reconhecido perante a justiça. Empolguei. O poder me subiu a cabeça. Imagina como deve ser gostoso passar horas em pé carimbando e selando papeis, e pior, aturando gente apressada e impaciente. As autorizações estão prontas. O carimbo e os selos estão no papel. Temos um documento. Três e noventa cada um, mais ou menos. Valeu a pena. Dia de comprar os ingressos. - Lembra da gente? – Isso é que é fã. Camarote ou pista? Vamos olhar de novo. Escuridão. Escadas. Quase de cara no chão mais uma vez, fazer o que, eu nem pensei em levar uma lanterna. Tudo ainda sem ornamentos, mas com a mesma emoção. Ficaremos aqui, na melhor mesa, no melhor ângulo. “Ando com minha cabeça já pelas tabelas...” Entrando no clima. Meu colega senta no palco. Estava se sentindo um pouco. Emocionante. Vamos embora. Pega os ingressos. Estou sem carterinha de estudante. Mas, ela se lembra da gente. Será que ela...? – Sessenta reais tudo. Sessenta reais, mais transporte, mais gastos com a autorização. Valeu à pena. Ela não pediu a carteirinha. Compramos. Estamos satisfeitos. Olha só meu ingresso! Agora é só esperar o grande dia. E que seja o grande dia, porque ingressos difíceis como esses, nunca mais.

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